A vacina na sociedade de Clastas
por Flávio Lima
Passaram-se quase seis meses do início da “campanha da vacinação” no Brasil, e as “manobras” realizadas via decretos e leis municipais e estaduais (e pelos “jeitinhos”) para incluir categorias no grupo “prioritário” de vacinação, vão desmascarando a farsa que é o planejamento de imunização por idade e revelando, pela prática, quem são as categorias consideradas prioritárias na sociedade de castas que estrutura esse país.
Vou descrevê-las:
De um lado, sobressaem-se os Brâmanes. Também conhecidos como a categoria, já vacinada, dos profissionais da linha de frente ou por serem altamente prestigiados e bem pagos.
Na sequência, vêm os xátrias ou a categoria dos profissionais de serviços burocráticos de hospitais, escolas e departamentos públicos, além dos psicólogos, médicos veterinários e, claro, os necessários profissionais de educação física.
Os prioritários!
No meio localizam-se os Vaisyas, que não serão devidamente especificados pois ou burlaram a fila contrabandeando, sem sucesso, vacina (falsa) nas Minas Gerais, ou falsificaram documentos com um Brâmanes amigo, ou foram para Miami. Inclusão e imunidade são essenciais!
Do outro lado do oceano, encontram-se os Sudras, conhecidos por todos como trabalhadores de setores de serviços ou os “essenciais”. Não pararam em nenhum momento durante a pandemia, afinal, alguém tem que servir as castas de cima. Os trabalhadores dos supermercados, os frentistas de postos de gasolina e os trabalhadores da limpeza dos hospitais são os exemplos mais descritivos pois, além de não terem parado durante a pandemia, tentaram se incluir na fila da vacina achando que eram “linha de frente”. Polêmicos!!! Não sabem da ordem classificatória na sociedade de castas?
Completam a lista os Dalits, aqueles que, por viverem de seu trabalho nas “margens” (por conta própria ou na informalidade), nem categoria são. Esses nem polemizar podem!
Deste lado do oceano, ambos são penalizados duplamente pelos que decidem quem deve vacinar primeiro: além de caírem no “esquecimento” e, diante disso, estarem fadados à morte (se não for de Covid, de Fome), são lançados diariamente ao abate pelas medidas que não enfrentam de fato os riscos de exposição.
O exemplo mais gritante e corriqueiro são dos transportes coletivos na maioria das cidades que, ao invés de ampliarem a frota para circulação, a diminuem em 30 ou 50% e submetem os trabalhadores - que não têm outro meio de locomoção e outra opção a não ser enfrentar aos riscos, a contraírem o vírus nesses espaços. Há quem, diante disso, reaja com indignação ao o transporte de cargas de animais.
Juntos, Sudras e Dalits seguem na parte de baixo do sistema, impossibilitados de se confinarem e sem vacina, carregando o país nas costas. Mas sem muito frenesi, afinal, “a economia não pode parar”!
Definitivamente, não é a exposição nem a preocupação com a vida coletiva a prioridade neste país. E, claro, a vacina é apenas o produto de uma problemática antiga, que hoje se agrava com as medidas individualistas, seletivas e desastrosas e seus traços neoliberais.
As respostas ao sistema (que exclui, submete ao medo, à opressão e à exploração os trabalhadores) e aos pandemônios (que potenciam as desigualdades e nos matam) devem ser coletivas. Assim como qualquer medida que coloque no centro uma saída coletiva desta pandemia ao conjunto de trabalhadores.
Então, ou desnaturalizamos tudo isso e restauramos o caráter reivindicatório sobre os fundos e o papel do Estado - o deve passar pelas lutas –, ou continuaremos com as migalhas: da vacina e do que sempre nos sobra na sociedade de castas.
Caso contrário, preparemo-nos para o abate até atingirmos, às custas dos grupos não prioritários para receber a vacina, a imunidade de rebanho!
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