A superexploração do trabalho no século XXI, entrevista com Juliana Guanais

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A professora Jualiana Guanais, do Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), concedeu ao site Mundo do Trabalho esta entrevista sobre os livros que acaba de lançar, Pagamento por produção, intensificação do trabalho e superexploração na agroindústria canavieira brasileira (Outras Expressoes/Expressão Popular) e Superexploração do trabalho no século XXI: debates contemporâneos (Ed. Práxis). Guanais também é membra do Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses (GPMT).
 
Mundo do Trabalho - Como foi o processo de elaboração dos dois livros?
Juliana Guanais - O primeiro livro “Pagamento por produção, intensificação do trabalho e superexploração na agroindústria canavieira brasileira” (publicado pela Ed. Outras Expressões/Expressão Popular, com apoio da FAPESP) é resultado de minha tese de doutorado, que é fruto de minha pesquisa de uma década junto dos assalariados rurais que trabalham como cortadores de cana para as usinas de açúcar e álcool do estado de São Paulo. A pesquisa de campo foi realizada em algumas cidades do interior de São Paulo e também em Tavares, sertão da Paraíba, local de origem de grande parte dos trabalhadores entrevistados. O objetivo principal do livro é demonstrar a relação existente entre a forma de remuneração dos cortadores de cana – o pagamento por produção – com a intensificação do trabalho e com a superexploração.
Já o segundo livro “Superexploração do trabalho no século XXI: debates contemporâneos” (publicado pela Ed. Práxis) foi organizado em conjunto com Gil Felix (UNILA) e consolida a interlocução entre um grupo de pesquisadores da UNICAMP, da UNAM e da UNILA que foi reunido a partir do interesse pela obra de Ruy Mauro Marini, intelectual e militante marxista brasileiro que ao longo de sua vida dedicou-se intensamente ao estudo da América Latina, mas que não é muito conhecido nem estudado no Brasil. Além de uma “Apresentação” escrita por mim e por Gil Felix, e de capítulos nossos, o livro conta com capítulos de Giovanni Alves, Adrián Sotelo Valencia, Ana Alicia Peña López e Nashelly Ocampo Figueroa, os três últimos professores da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), com os quais eu e Gil Felix trabalhamos juntos em nossa estadia nesta instituição. Sob pontos de partida e trajetórias de investigação científica diferenciadas, os textos destacam uma categoria central no pensamento de Marini: a superexploração do trabalho.
 
Como o debate sobre a superexploração do trabalho é importante para a sua tese e este livro coletivo?
O debate sobre a superexploração do trabalho ainda é pouco conhecido no Brasil, contrastando com o que ocorre em outros países da América Latina, como é o caso do México e do Chile, por exemplo. Sendo assim, ambos os livros são uma forma para divulgar as obras e o pensamento de Marini para o público brasileiro. No caso específico do livro que é fruto de minha pesquisa de doutorado, analiso a intensificação do trabalho, os acidentes, as aposentadorias por invalidez, as doenças laborais, as mortes súbitas e os falecimentos precoces de cortadores de cana ocorridos nas últimas décadas no Brasil, dialogando com a teoria do valor de Marx e com as contribuições de Marini, especialmente com a superexploração do trabalho.
O mesmo ocorre no caso do livro organizado em co-autoria com Gil Felix, já que todos os capítulos visam, em especial, resgatar o legado teórico de Marini e, a partir dele, contribuir para a reflexão crítica do capitalismo no século atual. Os capítulos partem de pesquisas teóricas e empíricas de longo prazo e se colocam o desafio de analisar e interpretar a realidade social contemporânea à luz da categoria superexploração do trabalho. Assim, além de (re)evidenciar a potência explicativa das categorias de Marini, os estudos também mostram como é possível se construir uma teoria social “viva”, informada por análises que dialogam teoria e empiria. 
 
Como você vê o aumento da mecanização da colheita de cana? Qual a relação disso com a superexploração do trabalho?
No livro analisei a relação entre o pagamento por produção, a intensificação do trabalho e a superexploração, tendo como pano de fundo um contexto em que o corte manual da cana ainda era predominante. Nos últimos anos, com a diminuição do número de cortadores de cana em função da mecanização da colheita das usinas de São Paulo, muitos têm me perguntado se a superexploração do trabalho também não teria terminado. Como deixo claro no livro, os traços característicos fundamentais da superexploração não desapareceram no atual contexto de mecanização e modernização do setor sucroalcooleiro; pelo contrário, permanecem e são imprescindíveis ao capital até hoje. Se o processo de modernização das lavouras de São Paulo não elimina por completo o trabalho manual, por que se pensar, então, que os elementos característicos da superexploração do trabalho, tais como a intensificação do trabalho, o prolongamento da jornada laboral e o pagamento de salários irrisórios, teriam que desaparecer neste contexto específico? A superexploração do trabalho pode, inclusive, ser ainda mais reforçada neste contexto de introdução de tecnologia e de mecanização do corte.
 
Você fez um “doutorado-sanduíche” no México e agora está trabalhando como professora na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), uma instituição que teve como projeto uma integração entre estudantes da América Latina. Você poderia fazer um relato sobre esta experiência, tanto do ponto de vista intelectual, quanto analisando as potencialidades existentes?
Como um dos objetivos de minha pesquisa de doutorado era analisar a intensificação do trabalho e a superexploração, temas muito pouco estudados, decidi fazer meu “sanduíche” no Centro de Estudios Latinoamericanos (CELA), centro que foi dirigido por Marini e que é vinculado à Facultad de Ciencias Politicas y Sociales da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM).  Na ocasião fui supervisionada pelo professor Adrián Sotelo Valencia, ex-aluno e orientando de Marini, um dos maiores sociólogos do trabalho latino-americano.
Logo após defender minha tese, passei no concurso da UNILA, uma universidade bilíngue e que tem como diferencial receber estudantes de vários países da América Latina e do Caribe. A partir de minha atuação como docente do curso de “Ciência Política e Sociologia: Sociedade, Estado e Política na América Latina”, tive a oportunidade de criar uma disciplina nova, intitulada de “Tópicos em Sociologia: Superexploração do trabalho”, na qual apresento aos estudantes o debate em torno da superexploração do trabalho e da teoria marxista da dependência. A disciplina foi e continua sendo muito bem recebida pelos estudantes e acabou servindo de estímulo para que eu e o prof. Gil Felix criássemos o “Grupo de Pesquisa sobre Trabalho” (CNPq). O grupo de pesquisa reúne estudantes brasileiros e estrangeiros de vários países latino-americanos e caribenhos, os quais também têm pesquisado sobre diversos temas relacionados ao mundo do trabalho na América Latina, construindo, assim, contribuições originais no âmbito das universidades brasileiras, o que fica refletido nas linhas de pesquisa que criamos no Grupo, que se constituem como resultado de um profundo diálogo entre os estudos do trabalho e a teoria social latino-americana.
 
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Os livros estão disponíveis em:
https://expressaopopular.com.br/loja/produto/pagamento-por-producao-inte...
http://www.canal6livraria.com.br/pd-59e8b2-superexploracao-do-trabalho-n...
 
Juliana Biondi Guanais - Professora do Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Graduada em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2007). Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia do IFCH-UNICAMP (2010). Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia do IFCH-UNICAMP (2016). Doutorado sanduíche realizado na Facultad de Ciencias Políticas y Sociales da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) sob supervisão do prof. Dr. Adrián Sotelo Valencia. Líder do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho (UNILA/CNPq) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa 'Estudos sobre o mundo do trabalho e suas metamorfoses' (UNICAMP/CNPq). Pesquisadora colaboradora do Centro de Estudos Rurais (CERES) da UNICAMP desde 2005. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Trabalho e Sociologia Rural, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho, assalariamento rural, pagamento por produção, superexploração do trabalho, intensificação do trabalho, agroindústria canavieira. Organizadora/autora dos livros 'Superexploração do trabalho no século XXI: debates contemporâneos' (Práxis, 2018) e de 'Pagamento por produção, intensificação do trabalho e superexploração na agroindústria canavieira brasileira' (FAPESP/Outras Expressões, 2018). Lattes

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